O ARTESANATO URBANO E SUA RELAÇÃO COM O ARTESANATO TRADICIONAL E O DESIGN

Elaine SILVEIRA, Joana CUNHA Universidade do Minho (repositorium.sdum.uminho.pt)

Numa sociedade em constante mudança, onde a globalização influencia no nosso quotidiano e traz o desejo individual de estar sempre em mudança. É nesse contexto actual que surge a importância de entender as actividades que surgem do povo e que ao se unir à arte e ao trabalho manual transformam-se em uma nova referência como resposta às nossas necessidades. A área de estudo visa investigar o impacto do trabalho manual, aqui referido como artesanato urbano, em um âmbito português.

1. INTRODUÇÃO. A compreensão numa perspectiva cultural da produção do artesanato urbano requer um conhecimento, principalmente na realidade que lhe dá origem, para identificar através do processo de criação e suas m udanças o porquê da dependência da realidade social. “Necessitamos, portanto, estudar o artesanato como um processo e não como um resultado, como produtos inseridos em relações sociais e não como objectos voltados para si mesmo” [Canclini83].Diante dessa afirmação chegamos a algumas hipóteses a serem investigadas. A primeira seria se há interacção do artesanato tradicional com o artesanato urbano. A segunda questão seria ver qual o papel do design nesse meio de criatividade. E por último se a cultura e os valores da sociedade onde o criador está inserido influenciam no processo de criação. O presente trabalho visa expor o estudo teórico realizado neste âmbito como suporte ao trabalho de dissertação em curso.

 

2. DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÃO PARA O ARTESANATO URBANO. O artesanato vem sendo transmitido de geração em geração, herança de valores e cultura através dos séculos. Para [Bonfim99], bens e valores produzem a cultura de uma sociedade, que caracterizam a identidade das pessoas através das coordenadas cronológicas e cosmopolitas. Umas das manifestações culturais mais expressivas de uma sociedade é a atividade artística, que oferece exemplos de diferentes modos de percepção e apropriação da realidade. “O universo artesanal não é uma realidade homogénea: pressupõe modos de fazer diferentes, estilos de vida diferentes, visões de mundo diferentes e também estéticas diferentes” [Lima02]. De uma maneira mais simplificada o [SEBRAE04] define artesanato como sendo uma actividade produtiva feita com a utilização de meios tradicionais e rudimentares, ou simplesmente à mão, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade. [Carniatto08] sugere uma condensação de algumas das diversas possibilidades de classificação de artesanato, sendo consideradas como as mais estruturadas e completas. São dividas em:

• O artesanato indígena é confeccionado pelos próprios e são fruto de suas tradições.

• O artesanato tradicional está incorporado à vida quotidiana de um grupo, trazida de suas tradições expressões culturais. É através de gerações que os conhecimentos são herdados, garantido assim sua sobrevivência.

• O artesanato conceitual é produzido dentro de uma proposta urbana e se caracteriza pelo estilo de vida e afinidades culturais através da inovação e utilização de conceitos ecológicos e naturalistas.

• Artesanato Contemporâneo ou Neoartesanto tem a característica em termos culturais de transição entre a tecnologia moderna e/ou a aplicação de princípios de tendência estética, destacando a criatividade individual expressa pela qualidade e originalidade de estilo.

• O artesanato artístico expressa de alguma forma o sentimento estético individual de um determinado autor com extrema presença do imaginário e carácter utilitário.

• Artesanato utilitário é a produção sem características artísticas, são feitas apenas para uso quotidiano dentro de uma comunidade. Depois de analisar as diversas formas de como o artesanato pode ser classificado por diferentes autores, entende-se como um processo de produção manual, onde materias‐primas são transformadas em produtos com significado dentro de uma determinada cultura e tradição. As formas como se executa essa produção pode ser por meio de ferramentas, maquinário e até mesmo com o uso de tecnologia, tudo se transforma através do meio por onde foi realizado o trabalho. O artesanato está directamente ligado à cultura de um povo, de uma comunidade. Seria possível separar os dois, ou seja, o artesanato ser produzido com outros objectivos que não expressar os valores e crenças culturais. Onde esses objectivos sejam apenas para fins comerciais. Dessa forma pode ser questionado que qualquer indivíduo pode exercer essa actividade desde que tenha habilidades manuais para executa‐la, não precisando necessariamente estar dentro de uma cultura e  seguir tradições impostas pelo meio onde vive.

 

3. ARTESANATO E DESIGN. A interacção entre o design e a produção artesanal segundo [Filho07], surgiu através das transformações ocorridas no século XVIII com a Revolução industrial, ou seja nesse período o surgimento do design em simultaneidade com a queda do sistema de produção artesanal fez com que se iniciasse a separação das etapas de desenvolvimento dos produtos controlados, onde predominava a técnica manual. “O artesanato, [assim como o design], é património inestimável que nenhum povo pode se dar ao luxo de perder. Mas esse património não deve ser congelado no tempo. Congelado ele morre. E é na transformação respeitosa que entra o papel dos designers” [Borges02]. Para [Crocco00] o artesão é um conhecedor congénito dos recursos materiais utilizados no processo produtivo e das tradições de sua comunidade, destaca‐se dessa maneira pela informalidade e vivência no trabalho. Enquanto isso o design tem como principal característica uma formação voltada para lidar com a lógica do mercado, por onde é visto como factor fundamental para o desenvolvimento do produto industrializado. A acção recíproca entre design e artesanato faz com que as ofertas de produtos se tornem mais atractivos e diferenciados para os  consumidores. Assim essa aproximação entre os dois, mesmo que de maneira independente, constrói um pólo inesgotável de parcerias e actuações mútuas, para que o mercado os usufrua com agrado [Branco02]. As intervenções de design em grupos de produção artesanal têm como propósito, a “reconfiguração” ou “revitalização” do artesanato produzido por esses grupos [Abbonizio09]. O papel do design na criação do artesanato, tornando‐o mais atractivo ao consumidor, com mais competitividade e qualidade no processo de produção, podendo dessa forma ser produzidos não somente por artesões mas por designers de moda, gráfico e industrial, levando seus conhecimentos para uma produção de artefactos personalizados em pequena escala. [Freitas06] afirma que o designer está inserido na produção de artesanato como parceiro, instrutor ou consultor, dessa forma o designer deve actuar levando em consideração, em primeiro lugar, do contexto onde o artesão vive e buscando entender o modo de produção. Entretanto há um desafio de harmonizar o moderno com o tradicional, descobrindo novas técnicas e compartilhando ideias. Com essa afirmação o designer busca juntamente com o artesão estabelecer uma ligação, surge então a possibilidade de o artesão perder suas verdadeiras raízes que o conduzem a criar de forma assistemática, aderindo a técnicas modernas fora dos conceitos artesanais.

 

4. ARTESANATO URBANO. O artesanato urbano segundo [Filho07] permite fazer as intervenções necessárias para que o produto chame mais a atenção do mercado. Nesse tipo de artesanato as intervenções podem ser totais e radicais, substituindo materias‐primas, racionalizando a produção, usar o design para a criação de novos produtos, se adaptarem ao mercado fazendo o uso de estratégias comerciais, até chegar à gestão de negócio. Na sua dissertação [Felgueiras06] se refere ao artesanato contemporâneo como uma união de conceitos como urbanidade, criatividade e modernidade. Diante desses conceitos a base de identificação profissional dos artesões urbanos é através a das tendências de mercado que os reconhece pelo nome de quem as produz, isto é, tornam‐se cada vez mais criadores de suas obras. Para [Barroso99] o artesanato produzido por indivíduos com um conhecimento cultural e tecnológico mais amplo denomina‐se artesanato contemporâneo, urbano e também pode ser conhecido por artesanato de criação. A comercialização desses produtos está determinada pelo equilíbrio entre dois pontos, referentes a estética e cultura, que são o valor expressivo e o valor de uso. Com esse tipo de artesanato a maioria dos artesões é aspirante a empresário, onde seu principal interesse e motivação é o ganho económico para sua sobrevivência. “O desempenho no artesanato contemporâneo é muitas vezes expresso na associação de meios ou recursos, ou de géneros criativos, ou na criação de estilos híbridos. As tradições são citadas e reinterpretadas” [Filipe2006]. [Filipe2006] ainda se refere ao artesanato contemporâneo como sendo uma condição criada pela modernidade onde o artesão é atingido por muitas possibilidades ao mesmo tempo, possibilitando ter ideias muito boas para o seu trabalho. Diante de uma sociedade onde as oportunidades de trabalho são poucas, o artesanato urbano traz a possibilidade e motivação financeira para exercer sua profissão e ter um rendimento através da venda de suas criações.

 

4. CONCLUSÃO. O artesanato está vinculado à sociedade desde a sua elaboração, construção e utilização. Além disso está associado ao universo simbólico de quem os faz e ao mesmo tempo daquele que o adquire. A utilização do design na produção do artesanato agrega maior valor comercial e produtos com diferencial e que estejam inseridos dentro da actualidade sem perder sua identidade, ou seja, na introdução de mensagens que expressem o imaginário da cultura e valores fixados nas comunidades tradicionais. Tanto o produto de design, assim como o artesanato estão socialmente envolvidos pelas causas da globalização. O design junto aos artesãos propicia uma melhor qualidade e competitividade no mercado, pensando nos processos de produção como forma operacional de gestão. Dentro da actualidade onde a tecnologia impera e a busca por novos conceitos se faz presente, o artesanato urbano veio suprir essas necessidades de constante mudança. Com algumas diferenças do artesanato tradicional, ele se utiliza de tecnologia e a substituição de materias‐primas por materiais alternativos, onde o criador tem um conhecimento mais amplo e assume o papel de futuro empresário e dono do seu próprio negocio.

 

5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS. [Abbonizio09] M. A. O. Abbonizio. Aproximação teórica das intervenções de design no artesanato com os princípios pedagógicos de Paulo Freire: caminhos para uma prática emancipatória. Dissertação (Mestrado em Design) ‐ Sector de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. 2009. [Barroso00] E. N. Barroso. Design e identidade cultural no artesanato. São Paulo. 2000. [Bomfim99] A. G. Bomfim. Coordenadas cronológicas e cosmológicas como espaço das transformações formais. In: Formas de design: por uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB, 1999. 137‐155. [Borges02] A. Borges. Design não é “personal trainner” e outros escritos. São Paulo: Rosari. (Colecção Textos design). 2002. [Branco03] J. Branco. Cadernos de Design. In: Artesanato e design: parceria com futuro? Lisboa: Centro Português de Design. 2003. 12‐15. [Canclini83] N. G. Canclini. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense. 1983. [Carniatto08] I. V. Carniatto. Gestão de design e artesanato: Uma abordagem com base na pesquisa‐ação. Dissertação (Mestrado em Design – Sistemas de Produção e Utilização) ‐ Universidade Federal do Paraná. 2008. [Crocco00] H. Crocco. ArcDesign. In: Artesanato e design: história de uma convergência. São Paulo. 2000. 26‐29. [Felgueiras06] M. M. G. Felgueiras. Interacção Design Artesanato: proposta de uma Interfase. Dissertação (Mestrado em Design e Marketing – Opção Têxtil) – Escola de Engenharia Têxtil, Universidade do Minho. 2006. [Filho07] C. S. D. Filho. Entre o propor e o fazer: A Inserção do Design na Produção de Artesanatos. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade) ‐ Programa de Pos‐Graduação em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia. 2007. [Freitas06] A. L. C. Freitas. Design e artesanato: uma experiência de inserção da metodologia de projecto de produto. Dissertação (Mestrado em Gestão pela Qualidade e Desenvolvimento de Produtos) ‐ Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. 2006. [Filipe06] R. A. Filipe. Transposição dos Objectos Tradicionais para a Contemporaneidade. Dissertação (Mestrado em Design de Produto) ‐ Universidade Técnica de Lisboa. 2006. [Lima02] R. G. Lima. Artesanato, produção e mercado: uma via de mão dupla. In: Estética e gosto não são critérios para o artesanato. São Paulo: Programa de Artesanato Solidário. 2002. 23‐37. [SEBRAE04] SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO A MICRO E PEQUENA EMPRESA. Programa de Artesanato, Termo de Referência, 2004.

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